quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Minicurso A Produção Cultural no Brasil

Minicurso A Produção Cultural no Brasil
Panorama histórico, leis de incentivo à cultura e reflexões político-culturais - 04/dez/2013


Destinado a artistas, produtores culturais e demais interessados, o curso trará um amplo panorama sobre a esfera das políticas culturais, abordando os processos históricos, as leis de incentivo à cultura e reflexões político-culturais.
Objetivo:
O curso irá traçar inicialmente um panorama da história das políticas culturais no Brasil e em São Paulo, desde a chegada da família real portuguesa em 1808 até o momento atual. Além do panorama histórico, o curso fará uma reflexão sobre a esfera político-cultural no Brasil atual e trará aos participantes uma visão abrangente da esfera, mostrando as leis de incentivo à cultura disponíveis para uso em âmbitos federal, estadual e municipal. Será feita uma abordagem do contexto sócio-histórico das principais ações governamentais com foco mais detalhado nos últimos 20 anos, a partir do advento das leis de incentivo à cultura. 
Pré-requisitos:
• 16 anos
• Ensino fundamental completo
• Contato prévio com arte e a história contemporânea brasileira.

Programa:
• Primórdios das políticas públicas de cultura no Brasil: da chegada da família real, o Estado-novo e a ditadura política dos anos 60
• Redemocratização política dos anos 80 e a implantação das leis de incentivo à cultura no Brasil
• Ministério da Cultura
• A Lei Sarney e a conjuntura da redemocratização
• A Lei Rouanet nos governos FHC, Lula e período atual
• Perspectivas para a implantação da nova lei de incentivo á cultura federal Procultura
• A história das leis de incentivo à cultura em São Paulo: panorama estadual e municipal
• Leis de incentivo à cultura: panorama atual de possibilidades de uso.
• O programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura como alternativa sustentável.
• Reflexões sobre a esfera político-cultural atual e aplicação na gestão de políticas públicas de cultura. 
Método:
Aulas expositivas e leitura de artigos sobre o assunto.

A mundialização da cultura

Na obra “Mundialização e cultura” o sociólogo brasileiro Renato Ortiz (1984) faz uma extensa relação entre cultura e economia na contemporaneidade. Para ele, cultura seria o “sistema-ideia” desta economia capitalista mundial, que busca atuar como consequência de nossas coletividades e nossa história. Ele observa de forma crítica como nossa cultura atual está diretamente ligada ao mercado, aos produtos que consumimos, desde nossos hábitos alimentares até nossos modos de mercantilização e nisso podemos incluir também a arte. Chama atenção para um tipo de mundialização da modernidade, que pode ser comparada ao que outros teóricos chamam de globalização. Ortiz defende porém que a chamada Globalização estaria relacionada aos processos econômicos e a mundialização aos processos culturais. Esse processo de mundialização da cultura é visto através de uma nova perspectiva mundial em que o sistema corporativo, os grandes monopólios comerciais e publicitários aliados às novas tecnologias de comunicação criam um universo em comum para este novo mundo criando uma grande massa hegemônica e uma cultura transnacional. Esta cultura mundializada estaria presente nas grandes marcas mundiais: Coca-cola, Esso, Shell, Nike, McDonalds etc. Por meio dessas grandes marcas de acordo com a teoria de Ortiz é possível termos a falsa impressão de que não existem fronteiras. Em Paris ou no interior da Índia é possível reconhecer um posto de gasolina Shell ou um restaurante do McDonalds e sentir um tipo de familiaridade cultural. A disseminação global da publicidade nos tempos modernos facilitada pelos avanços nos meios de comunicação passou a incluir as grandes logo marcas publicitárias na cultura, dissolvendo fronteiras e criando um tipo de hegemonia cultural regida pelo mercado.
Ao falar da influência da cultura norte-americana em outras regiões, Ortiz observa que parte dessa influência deve-se ao crescimento das empresas norte-americanas ao redor do mundo. Este crescimento favoreceu não apenas o crescimento desse mercado de consumo, mas principalmente a disseminação destas unidades culturais geradas por este mercado em especial.
A modernidade-mundo, consubtanciada no consumo, tem uma dinâmica própria. O processo de globalização das sociedades e desterritoalização da cultura rompe o vínculo entre a memória nacional e os objetos. Com sua proliferação em escala mundial, eles serão desenraizados de seus espaços geográficos. (ORTIZ, 2007, p. 125)

A cultura das marcas e do consumo iniciada nos Estados Unidos proliferaram pelos quatro cantos do mundo capitalista, proporcionando não apenas o avanço e a hegemonia pelo mercado, mas também um detrimento às ideologias nacionais de cada território e as praticas culturais regionais de modo geral.
Eu diria que a globalização acentua a erosão do monolitismo simbólico. Nem mesmo os ideais nacionalistas possuem mais a dinâmica que os caracterizavam. A coesão nacional, que se queira, ou não, é de alguma maneira minada pelo avanço da modernidade-mundo. (ORTIZ, 2007, p. 135)

Ortiz defende porém que alguns fatores trazidos pela mundialização não afetam diretamente as identidades e manifestações culturais regionais como por exemplo a língua nacional. Ainda que muitos estrangerismos sejam absorvidos em diferentes regiões e países, com maior incidência após o advento da internet, estes não modificam a língua nacional em sua estrutura.
Ao tratar da cultura a partir de um olhar sócio-econômico, Ortiz nos remete à questão da cultura mercantilizada e da produção de produtos de cultura. Ele defende que não devemos encarar a cultura apenas por meio de um olhar economicista e determinista, mas sim observar as relações entre tradição e modernidade e como estas foram processadas concretamente neste último século.  
Eu diria que as precauções devem ser redobradas quando nos deparamos com o universo cultural. Sua interação com a dimensão econômica é evidente, e não poderia em absoluto ser negada, no entanto as relações que se estabelecem estão longe de se acomodar a qualquer tipo de determinação em última instância. (ORTIZ, 2007, p.23)

É pertinente para nossa pesquisa a reflexão do sociólogo ao possibilitar a aproximação da unidade cultural como um produto. Na criação de um projeto cultural, percebemos que o Ministério da Cultura em muitos de seus escritos e principalmente nos formulários de inscrição de projetos, trata as unidades culturais como produto. Uma peça teatral, um livro, um CD, uma exposição de artes, são considerados produtos para o MinC. O viés mercantilista da cultura observado por Ortiz é comprovado concretamente nas políticas culturais atuais, não apenas por tratar as unidades de cultura como produto, mas por estas serem reguladas pelos preceitos do mercado por meio dos patrocínios.
Ainda sobre este assunto é relevante analisarmos a influência do Marketing Cultural no uso das leis de incentivo à cultura.  Ao permitir que as verbas de cultura tenham seu destino determinado por empresas, quando do uso das ferramentas de mecenato, os órgãos públicos de cultura legitimam a cultura em diálogo direto com os discursos das esferas corporativa e publicitária. Se de fato existe uma mundialização da cultura disseminada pelas grandes marcas, fica ainda mais evidente que um projeto cultural deverá dialogar com o tipo de comunicação imposta por estas marcas para obter um patrocínio. A cultura neste processo se impõe não apenas como uma unidade cultural, mas também como um valor agregado estas marcas que patrocinam os projetos e vice-versa. Compreender os processos da esfera publicitária e das grandes marcas a partir do advento das leis de incentivo à cultura no formato do mecenato torna-se parte do processo de busca de patrocínio de um projeto. É possível perceber que com esta nova forma de produzir cultura, surgiu também uma nova forma de divulgar estas marcas. Se no passado a publicidade das marcas acontecia por meio de ações publicitárias de mídia paga, em anúncios e ações de marketing direto, atualmente com as leis de incentivo e o mecenato, as marcas passaram a utilizar os projetos culturais como veículos de divulgação. Estes projetos culturais agregam valor cultural em sua comunicação com o público e utilizam verba 100% pública. Isto é, o custo de divulgação a partir dessa nova ferramenta de marketing é reduzido ou mesmo nenhum. 


ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. 

Vale cultura pra quem?

A produção cultural no Brasil neste momento está passando por uma nova perspectiva a nível federal a partir da aprovação do Vale Cultura. 
Desde a posse da Ministra Marta Suplicy, boa parte das forças do MINC tem se concentrado para a esta nova ferramenta que aparentemente beneficiaria o trabalhador. Porém poucos de fato conhecem como funciona a ferramenta e a maioria não entende que ela não é um política cultural que busca beneficiar a população de modo geral e sim mais uma ferramenta de ideologia neoliberal revestida de social.
Quando eu critico a ferramenta do Vale Cultura, não critico do ponto de vista do trabalhador, que sem dúvida poderá ter um benefício a mais... entretanto devemos pensar de maneira concreta no benefício.

Eu critico inicialmente o Vale Cultura pensando em 3 pontos essenciais: 


1. Por que apenas empresas de lucro real terão acesso à dedução fiscal da ferramenta? Assim como já acontece na lei Rouanet apenas grandes empresas utilizarão o benefício e apenas trabalhadores destas grandes empresas terão acesso ao Vale. Além de reduzir o acesso ao Vale para a grande maioria dos trabalhadores, também restringe o acesso à cultura aos trabalhadores informais. É fato que poucas empresas de lucro presumido utilizarão o benefício se este não oferece a dedução fiscal. 


2. A verba que viabilizará o Vale Cultura é a mesma verba que poderia incentivar projetos culturais por outras ferramentas ligadas ao PRONAC e aos programas de cultura. O vale cultura toma o lugar de Projetos culturais que poderiam ser gratuitos, oferecendo acesso a qualquer interessado... Estes projetos que poderiam ter incentivo direto do governo via FNC, ou mesmo por meio do mecenato via Rouanet. Porém através do Vale Cultura esses darão lugar a uma ferramenta de endomarketing das empresas. 


3. O uso do vale cultura tem sido defendido por alguns alegando que esta pode ser uma ferramenta que incentive a produção e a geração de empregos no meio cultural no âmbito da economia criativa. Porém me parece que na prática não é bem assim... que esta ferramenta apenas beneficiará a produção no nível das indústrias culturais para aqueles produtores que já conseguiram se estabelecer em suas áreas artísticas. Sabemos que os maiores problemas nas práticas culturais no Brasil são: a) A formação de público para artistas independentes. Só quem não conhece o mercado cultural poderia apostar que o benefício do Vale será usado em produções independentes. Sabemos que mais uma vez grandes produções e grandes artistas serão os grandes beneficiados. b) Projetos artísticos independentes raramente conseguem sair do papel. Isto é, apenas grandes artístas e grandes projetos continuarão sendo desenvolvidos.

Peço aos amigos da cultura que tragam suas opiniões e reflexões.
Não podemos permitir que esta ferramenta seja desenvolvida da forma que está sendo pensada. Muito dinheiro será investido aqui e mais uma vez nós produtores e artistas independentes não veremos benefício algum. E pior a grande maioria dos brasileiros NUNCA terão acesso ao vale. 


http://www.cultura.gov.br/valecultura