O sujeito do século XXI é o
reflexo de um mundo individualista e cimentado pelo sistema. Ao mesmo tempo em que
vive no social, no nós, o sujeito em seu simulacro busca a todo custo mostrar
seu eu e com isso se contrapor ao poder do outro. O mundo competitivo em
contraponto ao humano. O ato ético na contemporaneidade aparece envolto pelo
senso estético que o mundo atual demanda.
O sujeito contemporâneo
fragmentado pela somatória de comportamentos e de influências sociais das mais
diversas perde sua personalidade. O viés neoliberal que nos circunda no
contemporâneo é regido pela esfera econômica e com isso o sujeito tem
dificuldade de exercer sua autonomia. A indústria cultural assola ideologias. O
enfraquecimento da autonomia a partir do senso comum de um mundo voltado para o
sistema onde o que importa é produzir, lucrar, consumir, trabalhar sem parar,
onde o sujeito é um mero peão do sistema também torna o sujeito
desresponsabilizado pela própria conduta. O sujeito contemporâneo se veste de
simulacros da indústria cultural. A construção de ethos do sujeito é regida
pelas tendências da indústria cultural e pelas regras sociais impostas pelas mídias
de massas. A internet auxilia na construção
desses simulacros. O real life confunde-se com a vida em si. O sujeito do
facebook prefere acreditar que aquele avatar construído por ele é realmente seu
eu. Parece melhor e mais fácil acreditar nesse simulacro digital do que tentar
entender o seu próprio eu. Aquele sujeito que escreve a partir de um simulacro
de um avatar reflete na internet uma ideologia de seu eu tipificado e cria seu
simulacro de acordo com as tendências da industria cultural.
Hoje o sujeito vive o nós, o
coletivo, em seu ambiente de trabalho. As correrias da vida no mundo
contemporâneo reduzem o universo do homem urbano ao seu mundo do trabalho. Ele
acorda e dorme trabalho. Quando está em seu escritório ele acredita estar
vivendo o nós. A coletividade do escritório confunde-se com a coletividade da
cerveja com os amigos no fim do expediente.
O assunto nos dois espaços sociais do sujeito contemporâneo quase sempre
são frutos da indústria cultural. Seja a novela das oito ou o jogo de futebol
do seu time, ou mesmo a política atual, todos os assuntos são regidos pela indústria
cultural. É a ideologia da indústria cultural que diz o que deve ser falado, o
que deve ser pensado. Quase sempre opinião desse sujeito acompanha o que o
jornal de grande circulação escreveu em seu artigo de opinião do dia anterior,
ainda que esse sujeito nem leia jornal. A ideologia do cotidiano regida pela
indústria cultural. O dialogismo ocorre entre o jornal do dia, os assuntos no
escritório, a nova lei assinada pelo governo, a revista de fofoca da semana, o
programa de TV mais assistido e o que se está falando no Facebook. Os enunciados da vida são assuntos
na mesa do bar no fim do expediente. A ideologia é regida por regras claras das mídias de massa e o sujeito atua mesmo sem saber como continuação da linha de
produção da indústria cultural.
O controle operacional da vida já
aparecia nas entrelinhas dos produtos da indústria cultural no século XX. Como
na cena do filme de Kubrick “2001 uma odisseia no espaço” onde o sujeito já perdido
entre o que foi um dia e o que as máquinas a sua volta o transformaram, um
simulacro de sujeito. Outro bom exemplo vemos no filme “The Wall” da banda Pink Floyd,
onde as crianças são transformadas em pequenos operários, em robôs do ensino. A
indústria cultural e a massificação das mídias ditando as regras sociais, as
modas, o senso comum e providenciando que a informação se espalhe ainda mais
rápido: consuma, seja, conquiste! Essa competitividade da contemporaneidade
aliada à velocidade da informação faz com que a cada nova geração a trilogia ‘consuma,
seja, conquiste’ se torne ainda mais forte. O eu sobrepondo-se cada vez mais
sobre o nós. A deterioração das relações pessoais incidindo na personalidade, trazendo
cada vez mais a impessoalidade. O coletivo dá lugar aos interesses pessoais em função do consumo.
A internet ainda que nos traga
uma sensação de democratização da força social pode ser também uma ferramenta de construção de simulacros
ainda mais perigosos. Uma força que pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal do social. Os verbos ‘trollar’, ‘flodar’, e expressões como ‘dar
unfollow’ são largamente utilizados pelos usuários das redes sociais. Todas usadas
como formas de ameaças e atitudes negativas de socialização na internet. O
simulacro criado a partir de avatares seja em forma de nomes sem ligação com
personas do mundo real, ou mesmo fotos que não denunciam a identidade do
sujeito, possibilitam que essa violência virtual seja ainda mais possível.
A internet, como já dissemos,
ainda que traga uma carga democratizadora ao social também possibilita o
fortalecimento de arenas virtuais de batalha pelo poder e na maioria dos casos
ligados ao fator cultural. Casos como dos debates sobre o que aconteceu no
bairro do Pinheirinho em São José dos Campos no final de 2011 são uma clara imagem do poder da
internet de gerar grandes arenas, neste caso de luta política. O signo ideológico ou como chamam na internet a hashtag
#Pinheirinho permaneceu por vários dias entre as mais citadas do site twitter. Bastava
clicar sobre a hashtag em qualquer página para cair numa arena de lutas ideológicas
das mais assustadoras. A hashtag #Pinheirinho poderia levar o sujeito a uma
arena onde aconteciam desde pedidos de ajudas de moradores do bairro sitiado em
tempo real, a pessoas criticando a atuação do governo, a pessoas apoiando o
governo, a brigas pessoais sobre pontos específicos sobre o assunto e até a
adolescentes que utilizavam a tal hashtag em frases sem sentido algum com o
contexto apenas para se divertir um pouco. O poder da internet de possibilitar
que um assunto extrema seriedade e de enorme importância social e política se
transforma-se num jogo de adolescentes, ou mesmo discussões fortíssimas sem que
nada acontecesse com qualquer uma das partes envolvidas. Num só clique aquilo
tudo poderia ser apagado.E ainda que alguém desse um “print” e salvasse aquelas
discussões assustadoras seria difícil que alguma ofensa de cunho pessoal
pudesse afetar a algum dos atores envolvidos na arena.
A responsabilidade de
cada enunciado na internet torna o ato ético fragilizado. Com apenas um clique podemos perder totalmente seu valor institucional.
Ainda que no ato da produção de cada enunciado cada frase, cada signo
ideológico tivesse atingido o outro de alguma maneira, na esfera institucional,
ou no tal mundo do direito, raramente um enunciado poderia afetar algum dos
envolvidos. Com isso o ser na internet atua seguro dentro de seu simulacro. Se desresponsabiliza pelo que enuncia.
Neste mundo novo onde a arena de
informação vai muito além das televisões, dos rádios do século XX, a produção
cultural acaba dialogando com as novas tendências. O artista, aquele que transita
entre a vida e a arte, no século XXI surge de dentro de um simulacro envolvido
pelo que é delegado pela indústria cultural e mostra não apenas o que a vida o
faz produzir mas sim o que o mercado o faz produzir. A produção de cultura no
Brasil vive esse paradoxo. Como produzir arte, arte criativa, sem amarras, num
Brasil que cada vez mais se entrega às demandas da industria cultural? Como
produzir arte no Brasil onde as novas gerações estão entretidas com produtos tecnológicos
e novidades digitais que se renovam a cada dia?
Uma das principais
características da cultura ocidental é a busca pela autonomia da informação. A
cultura seja ela vista como fator civilizatório ou como a conservação da
produção criativa de um dado povo é de alguma forma uma busca pela autonomia da
informação. Porém graças aos interesses da indústria cultura o caminho tem sido
justamente o inverso.
Desde o advento das leis de
incentivo à cultura no Brasil nos anos 80 o produtor de cultura brasileiro,
seja ele o artista, o artesão, o ator, o músico, vive no paradoxo entre viver
de arte ou viver para criar a arte. As leis culturais no país surgiram no
início do período de redemocratização, onde a liberdade era evocada como uma
possibilidade para a produção artística no Brasil de maneira livre após tensas
décadas de poderio militar (leia-se era Vargas mais período de ditadura pós
64). Porém essas leis culturais traziam junto com a ideia de liberdade criativa
também o viés neoliberal agregado onde a liberdade ofertada tinha um preço, o
de entregar-se aos caprichos da indústria cultural.
O viés liberal das leis de
incentivo à cultura no Brasil e o vinculo destas leis com o patrocínio de
empresas privadas obriga o artista a produzir uma arte voltada aos interesses
do mercado. A arte vira um produto de consumo. O patrocinador que paga para que
essa arte possa ser produzida tem o poder de cuidar do processo de criação de perto durante a execução de um projeto cultural. Na contemporaneidade
arte e vida continuam não sendo a mesma coisa, mas na unidade da
responsabilidade do artista nem sempre se tornam uma coisa só, pois é a
indústria cultural que rege a arte no século XXI. O artista se torna uno com as demandas
da indústria cultural que são regidas pelas mídias de massa e as infinitas
pesquisas sobre o consumidor.
Esta tendência também pode ser
observada no âmbito político. As propagandas eleitorais seguem estética do
vídeo clip. Slogans, figurinos, cortes de cabelo, inclusive pequenos detalhes como
logo marcas dos partidos e cores atuam fortemente como signos ideológicos regidos
pela indústria cultural. A campanha de Barack Obama foi um bom exemplo dessa
massificação política utilizando estratégias estéticas da indústria cultural.
Nas atuais eleições, mais especificamente na cidade de São Paulo também podemos
observar essa tendência, chegando ao ponto de um dos principais candidatos utilizar
como música de campanha um dos maiores sucessos da indústria cultural brasileira
das últimas décadas.
Ser um apocalíptico ou um
integrado, ser um autor-criador ou um autor-contemplador no século XXI pode ser
bem diferente do que era no não tão distante e analógico século XX. A
velocidade das mudanças sociais ampliado pela nova dimensão digital ainda nos
traz diversas questões. O que nos parece muito provável é que nas próximas
décadas ainda não seja possível responder a todas elas. Porém o que nos parece claro é que as novas gerações
estão cada vez mais a mercê desta indústria cultural regida pelos monopólios corporativos
que continuam buscando nos dizer o que vestir, o que comer, para onde viajar, o
que assistir nos cinemas, quais músicas ouvir, etc. O que parece certo é que continuaremos
com a trilogia “Consuma, seja, conquiste” comandando nossas vidas e sempre começando pelo 'consuma'. Até que o
sistema capitalista reine sobre a terra será assim, seja pela TV, seja pela internet, ou mesmo pelo
celular, ou por qualquer outra mídia móvel que vier daqui pra frente, consumir ainda
será responsável por tudo o que você deve ser.
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