Na
obra “Mundialização e cultura” o sociólogo brasileiro Renato Ortiz (1984) faz uma extensa relação entre cultura
e economia na contemporaneidade. Para ele, cultura seria o “sistema-ideia”
desta economia capitalista mundial, que busca atuar como consequência de nossas
coletividades e nossa história. Ele observa de forma crítica como nossa cultura
atual está diretamente ligada ao mercado, aos produtos que consumimos, desde
nossos hábitos alimentares até nossos modos de mercantilização e nisso podemos
incluir também a arte. Chama atenção para um tipo
de mundialização da modernidade, que pode ser comparada ao que outros teóricos
chamam de globalização. Ortiz defende porém que a chamada Globalização estaria
relacionada aos processos econômicos e a mundialização aos processos culturais.
Esse processo de mundialização da cultura é visto através de uma nova
perspectiva mundial em que o sistema corporativo, os grandes monopólios
comerciais e publicitários aliados às novas tecnologias de comunicação criam um
universo em comum para este novo mundo criando uma grande massa hegemônica e
uma cultura transnacional. Esta cultura mundializada estaria presente nas
grandes marcas mundiais: Coca-cola, Esso, Shell, Nike, McDonalds etc. Por meio
dessas grandes marcas de acordo com a teoria de Ortiz é possível termos a falsa
impressão de que não existem fronteiras. Em Paris ou no interior da Índia é
possível reconhecer um posto de gasolina Shell ou um restaurante do McDonalds e
sentir um tipo de familiaridade cultural. A disseminação global da publicidade
nos tempos modernos facilitada pelos avanços nos meios de comunicação passou a
incluir as grandes logo marcas
publicitárias na cultura, dissolvendo fronteiras e criando um tipo de hegemonia
cultural regida pelo mercado.
Ao
falar da influência da cultura norte-americana em outras regiões, Ortiz observa
que parte dessa influência deve-se ao crescimento das empresas norte-americanas
ao redor do mundo. Este crescimento favoreceu não apenas o crescimento desse
mercado de consumo, mas principalmente a disseminação destas unidades culturais
geradas por este mercado em especial.
A
modernidade-mundo, consubtanciada no consumo, tem uma dinâmica própria. O
processo de globalização das sociedades e desterritoalização da cultura rompe o
vínculo entre a memória nacional e os objetos. Com sua proliferação em escala
mundial, eles serão desenraizados de seus espaços geográficos. (ORTIZ, 2007, p.
125)
A
cultura das marcas e do consumo iniciada nos Estados Unidos proliferaram pelos
quatro cantos do mundo capitalista, proporcionando não apenas o avanço e a
hegemonia pelo mercado, mas também um detrimento às ideologias nacionais de
cada território e as praticas culturais regionais de modo geral.
Eu
diria que a globalização acentua a erosão do monolitismo simbólico. Nem mesmo os
ideais nacionalistas possuem mais a dinâmica que os caracterizavam. A coesão
nacional, que se queira, ou não, é de alguma maneira minada pelo avanço da
modernidade-mundo. (ORTIZ, 2007, p. 135)
Ortiz
defende porém que alguns fatores trazidos pela mundialização não afetam
diretamente as identidades e manifestações culturais regionais como por exemplo
a língua nacional. Ainda que muitos
estrangerismos sejam absorvidos em diferentes regiões e países, com maior
incidência após o advento da internet, estes não modificam a língua nacional em
sua estrutura.
Ao
tratar da cultura a partir de um olhar sócio-econômico, Ortiz nos remete à
questão da cultura mercantilizada e da produção de produtos de cultura. Ele
defende que não devemos encarar a cultura apenas por meio de um olhar
economicista e determinista, mas sim observar as relações entre tradição e
modernidade e como estas foram processadas concretamente neste último século.
Eu
diria que as precauções devem ser redobradas quando nos deparamos com o
universo cultural. Sua interação com a dimensão econômica é evidente, e não
poderia em absoluto ser negada, no entanto as relações que se estabelecem estão
longe de se acomodar a qualquer tipo de determinação em última instância.
(ORTIZ, 2007, p.23)
É
pertinente para nossa pesquisa a reflexão do sociólogo ao possibilitar a aproximação
da unidade cultural como um produto. Na criação de um projeto cultural, percebemos que o
Ministério da Cultura em muitos de seus escritos e principalmente nos
formulários de inscrição de projetos, trata as unidades culturais como produto.
Uma peça teatral, um livro, um CD, uma exposição de artes, são considerados
produtos para o MinC. O viés mercantilista da cultura observado por Ortiz é
comprovado concretamente nas políticas culturais atuais, não apenas por tratar
as unidades de cultura como produto, mas por estas serem reguladas pelos
preceitos do mercado por meio dos patrocínios.
Ainda sobre este assunto é
relevante analisarmos a influência do Marketing Cultural no uso das leis de incentivo
à cultura. Ao permitir que as verbas de
cultura tenham seu destino determinado por empresas, quando do uso das
ferramentas de mecenato, os órgãos públicos de cultura legitimam a cultura em
diálogo direto com os discursos das esferas corporativa e publicitária. Se de
fato existe uma mundialização da cultura disseminada pelas grandes marcas, fica
ainda mais evidente que um projeto cultural deverá dialogar com o tipo de
comunicação imposta por estas marcas para obter um patrocínio. A cultura neste
processo se impõe não apenas como uma unidade cultural, mas também como um
valor agregado estas marcas que patrocinam os projetos e vice-versa. Compreender
os processos da esfera publicitária e das grandes marcas a partir do advento
das leis de incentivo à cultura no formato do mecenato torna-se parte do
processo de busca de patrocínio de um projeto. É possível perceber que com esta
nova forma de produzir cultura, surgiu também uma nova forma de divulgar estas
marcas. Se no passado a publicidade das marcas acontecia por meio de ações
publicitárias de mídia paga, em anúncios e ações de marketing direto, atualmente
com as leis de incentivo e o mecenato, as marcas passaram a utilizar os
projetos culturais como veículos de divulgação. Estes projetos culturais agregam
valor cultural em sua comunicação com o público e utilizam verba 100% pública. Isto
é, o custo de divulgação a partir dessa nova ferramenta de marketing é reduzido
ou mesmo nenhum.
ORTIZ,
Renato.
Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.