quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Um balaio de ministérios?

Juntar num ministério Turismo, Cultura e Esporte pode dar certo? 
Bom, num governo que trata esses setoriais do jeito que vem tratando ao longo da campanha, é impossivel de dar certo. A ideia não é avançar e sim desmontar. 
São áreas com politicas de Estado diferentes, apesar da lei do Esporte ter sido inspirada na Rouanet. 
Cultura e turismo dialogam muito, mas tem conceitos estruturais muito diferentes. Enquanto a cultura pede autonomia de produção e criação, o turismo pede estrutura logistica nos territorios. Um dos maiores problemas do turismo hoje é a falta de estrutura logistica. Estradas ruins, transporte caro entre os territorios, desorganização... É um mercado basicamente privado. O Brasil nunca teve uma tradição de estrutura pública para o turismo. São raros os equipamentos públicos de turismo que funcionam bem. Os orgãos de turismo sempre foram muito ruins. Dificil encontrar um exemplo de um que deu certo.
No esporte tivemos alguns avanços nas gestões do PT, mas focaram muito na copa e nas olimpiadas e esqueceram de investir na base de esportistas. Não linkaram esporte com educação por exemplo, que é o que é feito na maior parte dos paises que valorizam o esporte. Criaram poucos espaços de práticas esportivas. E alguns espaços criados nas olimpiadas estão completamente ociosos.
Na cultura, temos um Sistema Nacional de Cultura semi implantado, que na real tem muitas dificuldades de sair do papel por ser muito complexo. Ainda não estamos preparados para ele, apesar da ideia ser boa. Cabe às cidades e aos estados continuarem a construção sem apoio do federal. Afinal o Sistema não é uma estrutura centralizadora, muito pelo contrário... é um sistema de baixo pra cima.
Ao unir as três pastas, não se leva em conta as especificidades de cada setor e os caminhos diferentes que essas áreas tem traçado ao longo dos anos. Muito menos se leva em conta os trabalhadores desses setores. Juntar essas três pastas só mostra o descaso e o desconhecimento de políticas públicas de quem a propõe.
Se a opção for unir cultura e educação, o caso é o mesmo. São áreas que dialogam, mas com políticas muito diferentes e conceitos diferentes. É um dever do Estado fornecer, organizar e estruturar a educação. Mas não é um dever do estado fornecer cultura. Até porque o Estado não produz cultura. A função do estado é incentivar a cultura e criar mecanismos para isso.
Conhecemos N casos de secretarias municipais e estaduais que misturam pastas muito distintas. E sempre uma das áreas é priorizada e as outras esquecidas. Provavelmente é isso que vai acontecer...
E o desmonte não será pequeno...
Cabe a nós trabalhadores desses setores estarmos atentos e organizados para resistir aos desmontes até o próximo verão.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Contra a MP 841! Contra o desmonte do Ministério da Cultura!

A absurda MP 841 assinada por Temer e publicada ontem, cria o Fundo Nacional de Segurança Pública e com isso diminui de 3% para 0,5% a destinação de recursos das loterias para o Fundo Nacional de Cultura. 
Vamos aos fatos: 
A cultura há muito tempo é o setor que menos recebe recursos federais. Mesmo nos anos de bonança (leia-se 2006 a 2010) o percentual do orçamento federal revertido para o setor cultural já era infimo. Nunca passou de 0,4%. Atualmente gira em torno de 0,017%
A PEC (150/2003) que previa a ampliação do orçamento da cultura para um piso minimo de 2% da LOA federal, nunca conseguiu avançar de fato. Nem com a nova PEC (421/2014) que faria isso de forma escalonada, conseguimos avançar. 
Sem essa PEC aprovada, a cultura continuava restrita ao poder discricionário do governo, isto é, sem mínimo de porcentagem como a educação e a saúde e dependendo da vontade (ou da falta de) de receber recursos efetivos. 
Desde 2005 estamos tentando implantar o Sistema Nacional de Cultura, que tem como projeto alterar o modelo de financiamento à cultura no Brasil, revertendo parte da verba do FNC para a distribuição via fundo a fundo para estados e municípios, aplicado a políticas culturais construídas pela população. Essa verba do novo FNC também sairia dos tais 3% das loterias. Porém a lei de regulamentação do SNC ainda está em trâmite no congresso e o FNC permanece relacionado ao modelo de renuncia fiscal da Rouanet. 
Com o golpe em 2016, as prioridades de políticas culturais do MinC mudaram. Deixaram o SNC de lado, andando a passos de tartaruga e priorizaram novamente a renuncia fiscal, também conhecida como Lei Rouanet e o audiovisual. 
Com essa MP 841, tomamos outro golpe, porém desta vez vão mexer também com a industria cultural que dependia dos recursos das loterias para incentivar seus projetos. 
Quer dizer... a MP 841 não apenas destroi qualquer possibilidade de continuarmos a construção de um Fundo Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, mas também mexe com as verbas que até então estavam sendo absorvidas pelo mercado da cultura.
Isso pode gerar um efeito cascata sem precedentes no setor como um todo. Ainda que eu ou você não tivessemos acesso direto a essas verbas, o setor cultural mais voltado ao mercado sendo também afetado vai causar um desmonte total no setor. Musicais, peças teatrais, festivais de música... todos serão afetados. Ocorrerá uma diminuição drástica no número de projetos incentivados e com isso uma diminuição equivalente nos postos de trabalho de produtores, técnicos, e artistas em todo país. Menos verba no mercado da cultura = Menos gente trabalhando com cultura. 
Depois de tudo o que aconteceu, praticamente só tinha nos restados as leis de incentivo fiscal. Se nos tirarem isso também não sobra quase nada; Terra devastada. 
Trabalhar com cultura daqui um tempo só se for por amor, porque dinheiro não vai ter... 
Se vc trabalha com cultura, mesmo que ache que não tem nada a ver com isso, tem que começar a se preocupar. 
A situação é extremamente grave. 
Essa MP tem que ser repudiada agora e sem dó!
#ContraMP841

Lei a nota publicada hoje pelo Ministro da Cultura Sergio de Sá Leitão em seu perfil profissional no Facebook:

"Nota do Ministro da Cultura
Publicada hoje no Diário Oficial da União, a Medida Provisória 841, que cria o Fundo Nacional de Segurança Pública, reduz drasticamente a participação do Fundo Nacional de Cultura na receita das loterias federais. O percentual, que era de 3%, poderá cair a partir de 2019 para 1% e 0,5%, dependendo do caso. Trata-se de uma decisão equivocada, que não tem o apoio do Ministério da Cultura.
O investimento em segurança pública é obviamente crucial neste momento crítico que o país vive. O combate à violência urbana, porém, não deve se dar em detrimento da cultura, mas também por meio da cultura, assim como do esporte e da promoção do desenvolvimento. Além de seu valor simbólico e potencial transformador, a cultura é um vetor de inclusão e crescimento econômico.
As atividades culturais e criativas representam atualmente 2,64% do PIB, geram um milhão de empregos formais, reúnem 200 mil empresas e instituições e cresceram entre 2012 e 2016 a uma taxa média anual de 9,1%, apesar da recessão. Estão, portanto, entre os setores que mais contribuem para o desenvolvimento do país. O investimento público nesta área retorna multiplicado, na forma de aumento da arrecadação tributária.
A cultura já faz muito e pode fazer ainda mais pela superação da barbárie cotidiana em nossas cidades. Trata-se de uma poderosa arma contra a criminalidade e a violência, por seu elevado potencial de geração de renda, emprego, identidade e pertencimento. Reduzir os recursos da política cultural é na verdade um incentivo à criminalidade, não o oposto. Mais cultura significa menos violência e mais desenvolvimento.
A MP mostra-se ainda mais equivocada diante do fato de que há meses o MinC apresentou a proposta de outra MP, que destinaria diretamente a projetos culturais, pela Caixa Econômica Federal, o equivalente a 3% dos recursos arrecadados com as loterias, evitando assim contingenciamento e desvio de finalidade. Exatamente como acontece com o percentual que cabe ao esporte, graças à Lei Agnelo-Piva, de 2001."

Opine contra essa materia e ajude a barrar esse absurdo! 
https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/133594

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A Lei Rouanet é um engodo... quer falar mal dela? Aprenda sobre ela...

Sobre a tal noticia fake relacionando Pablo Vittar e Rouanet...
O real problema da Lei Rouanet nunca é lembrado... eu mesma sou super mega contra a Rouanet... e olha que já trabalhei muito com ela, dou cursos sobre ela e fiz até um mestrado pra falar mal dela. O real problema é que ela só beneficia grandes empresas e grandes artistas pois é uma lei que se baseia no marketing, na visibilidade. E apenas empresas de lucro real (isto é, as mega mega mega empresas) podem utilizar. As empresas de lucro real são apenas 2% das empresas brasileiras...
O ideal mesmo era reverter parte dessa verba para o Fundo e o Sistema Nacional de Cultura para assim descentralizar e distribuir melhor os recursos para quem realmente precisa...Lutamos muito por isso desde 2010, mas os golpistas engavetaram a Procultura (projeto de lei que faria essa mudança).
E mais... o atual (des)governo golpista ao invés de melhorar, piorou a Rouanet. Tornou ela ainda mais frágil e passível das mega empresas usarem ela da pior forma. A festa do Marketing cultural para os mega produtores está garantida...
E só pra lembrar na maioria dos casos A VERBA É 100% PÚBLICA!
Enquanto isso continuaremos vendo essas notícias fake sobre a Rouanet que apenas atrapalham a luta de quem realmente quer mudar o destino das políticas culturais tornando os incentivos mais justos.
E quem dera se Pablo Vittar tivesse mesmo captado 5 milhões na Rouanet... (até porque seria um projeto de artigo 26 e alguma empresa teria que botar do bolso pelo menos 2/3 disso). Mas a notícia é falsa.
A lei permite que qualquer artista tenha o certificado pela Rouanet e busque "patrocínio" em empresas. O problema é que nem 30% dos projetos aprovados na Rouanet conseguem captar recursos. O problema é que 80% dos recursos ficam concentrados em grandes projetos nas cidades Rio e SP. O problema é que 4% dos proponentes / produtoras ficam com 80% da verba. O problema é que tem empresas usando a grana para seus interesses de endomarketing. O problema é que a maioria das pessoas não entendem nada de lei Rouanet mas adoram falar dela.
Se é pra criticar a Rouanet, tem que fazer isso direito!
ps: E a verba da Cultura em nada afeta a destinação de verbas para a Saúde e educação que tem uma porcentagem obrigatória prevista na constituição federal. Enquanto que a verba da cultura nunca passou dos 1% do orçamento. O problema da saúde e da educação é a má gestão dos recursos, principalmente em estados e municípios!

Pra quem quiser saber mais sobre a Rouanet...
http://rouanet.cultura.gov.br/

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Fecharemos 2017 e ainda não começamos a implantar o Plano Municipal de Cultura de SP

Quanto mais mergulho em minha tese e mais observo os processos concretos das políticas culturais, mais fica claro que para gerir as políticas culturais brasileiras pelos métodos da nova Politica Nacional de Cultura é necessário muito planejamento, compreensão de gestão pública, interesse e vontade política de fazer uma gestão realmente democrática, capacidade de compreensão de que um plano de cultura precisa dialogar com o orçamento de cada ano e principalmente TER ORÇAMENTO pro setor.
Quando se trata de uma gestão pro-ativa e interessada isso é possível, ainda que seja muito trabalhoso. Isso é uma raridade...
Quando temos uma gestão de viés privatista e autoritária, que ignora o que está escrito num plano de cultura, isso é praticamente impossível. Não há diálogo. Só entende a política cultural pelo viés de cima pra baixo. Não entende que quem faz cultura somos os trabalhadores da cultura e não o Estado. Hoje temos em SP um exemplo do estado autoritário que se entende como um prestador de serviço e não como um incentivador ou pela possibilidade de construção em conjunto com o setor cultural.
Não respeitar e não implantar o que está escrito num plano de cultura, escrito por milhares de pessoas, é no mínimo uma falta de respeito com os cidadãos de uma cidade.
A lógica do novo modelo de Politica Nacional de Cultura, a partir da execução via planos de cultura, que busca a descentralização e a democratização das políticas culturais, incomoda muito aqueles que sempre tiveram seus projetos atendidos e tem medo de perder a boquinha do balcão... Por isso tem muita gente que se cala. Inclusive gente que se diz militante da cultura. E incomoda ainda mais os gestores vaidosos que querem desesperadamente deixar sua marca numa determinada gestão, com programas novos, ruins e sem legitimidade entre o setor cultural.
Política de governo não pode ser confundida com política de estado! Isso é um problema que afeta não apenas o setor cultural. Não se pensa políticas públicas a longo prazo, pois só o que interessa é a próxima eleição!
Hoje na cidade de SP a situação é catastrófica. Estamos lutando para tentar manter o orçamento da cultura num patamar de pelo menos 4 anos atrás. O retrocesso é tão grande que no próximo ano a projeção é de termos um orçamento aprovado abaixo dos 0,7% do total real e executado a menos de 0,4% do orçamento geral. (fecharão 2017 com execução de menos de 0,5%) Para uma cidade que já chegou a ter mais de 1,3% de orçamento da função cultura aprovado na Lei Orçamentária anual e uma execução de pelo menos 80% disso (chegando a quase 0,8% de execução), é um retrocesso e tanto. Detalhe, a projeção é que a arrecadação da prefeitura em 2018 seja 2 bilhões maior que em 2017.
Quando a arrecadação é ruim cortam da cultura, e quando a arrecadação é boa também cortam da cultura. Por que???
A recomendação da UNESCO para a gestão da cultura é que os municípios tenham pelo menos 1% de orçamento para a cultura EXECUTADOS. Isto é o mínimo do mínimo. Na gestão Haddad, ainda que não absolutamente satisfatório, conseguimos chegar no patamar de 1%. Mesmo com os cortes estivemos mais próximos disso do que nunca estivemos. Em 2017 regredimos à metade disso. Não passaremos de 0,5% de execução em 2017.
São Paulo vem desde dos anos 90 criando e implantando políticas culturais previstas em leis como os Fomentos e o VAI. Um exemplo para todo o país de como se constrói política cultural. Porém a atual gestão da SMC está ignorando estes processos, criando editais sem comprometimento, sem diálogo e desconfigurando leis históricas. E continuam ignorando o Plano Municipal de Cultura aprovado em dezembro de 2016.
O nome disso é desmonte!
E isso afeta inclusive vc, que se inclui nessa apenas como público.
Cultura é um direito previsto na Constituição Federal.
Cultura é investimento no futuro.
Cultura é saúde.
Cultura é educação.
Cultura não é só entretenimento.
Cultura é o que nos torna humanos.
Cultura é tudo!

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Temos um Plano Municipal de Cultura em SP ou não temos?

Estamos em outubro de 2017...
Não dá pra esquecer que já estamos em outubro e a atual gestão da Secretaria Municipal de Cultura de SP continua ignorando a existência do Plano Municipal de Cultura de SP. Um Plano que em dezembro completa um ano oficialmente. 
Este Plano vem de um processo intenso de participação social que começou no início dos anos 90, a partir dos fóruns e Casas de cultura, foi reforçado na década de 2000 com as 3 conferências municipais realizadas e se consolidou em 2016 com os encontros de consulta pública que reuniu mais de 5000 trabalhadores da cultura da cidade. 
Agora chegando a etapa final do meu doutorado é possível dizer que o Plano Municipal da Cidade de SP foi um dos mais bem construídos em termos de políticas públicas de cultura e é um dos mais democráticos em termos de descentralização. Hoje este plano é tido como exemplo para outros municípios, pois além de ter tido ampla participação social, traz uma nova lógica de gestão aos planos de cultura ao propor o desenvolvimento decenal a partir da aplicação de ações e metas divididas em PPAs. 
Seria muito importante e producente se a atual gestão compreendesse a importância de introduzir as diretrizes e metas do Plano em sua gestão. Não apenas por sua representatividade e viés democrático, mas porque boa parte das ações que a mesma tem feito (ainda que de forma capenga) já estão previstas no Plano. Isto é, boa parte das metas estão sendo realizadas de alguma forma. Entretanto a polarização política e os acontecimentos iniciais dessa gestão, que congelou mais de 46% da verba da cultura, bloquearam o diálogo com os trabalhadores da cultura.
O Plano Municipal de cultura continua sendo a bandeira principal dos trabalhadores da cultura da cidade. A prefeitura de SP e a SMC, ao ignorá-lo, continuam distanciadas da maioria dos fazedores de cultura. 
Já foram 10 meses de espera. Já não sei mais se isso é birra, desconhecimento dos processos que estão ocorrendo em todo país ou se é preguiça... 
Enquanto isso, na Secretaria Estadual de Cultura de SP, por acaso gerida pelo mesmo partido, as portas estão abertas e o diálogo para a implantação do Plano Estadual de Cultura atualmente caminha e cresce. Estamos prestes a implantar o Conselho Estadual de Cultura via decreto. 
Vai entender...

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

A lei do audiovisual estaria ameaçada?

Amiguinhos, não se enganem...
Temer não vai acabar com a lei do audiovisual. (apesar dela ter data de validade até 31/12/17). Logo vão prorrogar isso. Tem gente muito grande interessada nessa lei. Inclusive e principalmente a Globo.
Na verdade isso me preocupa bastante por um outro ponto de vista. O atual Ministro da cultura tende a investir todas as suas fichas no audiovisual. Ele já deu a letra sobre isso desde que tomou posse. E com isso vai tirar de outras linguagens tudo o que tiver que tirar. E a grana necessária para a industria do cinema é bem grande.
Aliás isso já tem acontecido desde antes do Sergio Leitão. Fiz um curso com um pesquisador do IPEA que mostrou que 80% do Fundo Nacional de Cultura tem ido para o Fundo Setorial do Audiovisual há pelo menos um ano... (agora que o FNC tá praticamente zerado não sei dizer como isso está).
Nem na época da ditadura a industria do cinema saiu perdendo. Muito pelo contrário. Mataram o cinema de qualidade (cinema novo foi aniquilado) e investiram pesado na industria de filmes sem profundidade alguma e na TV.
Meus amigos do audiovisual tem falado pra mim desde o ano passado pelo menos que o Cinema de Retomada acabou por volta de 2014 e desde então vivem a fase do Cinema de Crise. Mais dificuldade pra captar e Globo Filmes devorando o Fundo setorial do audiovisual.
O audiovisual, assim como muitos outros setoriais da cultura, tem várias faixas de desenvolvimento econômico. Assim como tem os peixes grandes, tem os pequenos independentes, os que estão à margem, os que sempre viveram de baixíssimo orçamento. Esses sim continuarão à margem. Ou vão sumir de vez. Mas os peixes grandes continuarão levando muita grana. E agora levarão ainda mais das outras linguagens também.
Como sempre digo... quando o milho é pouco, os pombos brigam entre si.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Cultura X capital


Uma das coisas que mais tem me chamado atenção tanto na minha pesquisa quanto na militância da cultura é o foco que a maioria dos trabalhadores da cultura tem em pensar apenas questões da linguagem artística em que atuam.
E não sou apenas eu que percebi isso.
Tem alguns artigos (muito sensatos por sinal) falando desta questão há algum tempo. E o quanto esse tipo de postura atrapalha a construção de novos modelo de gestão mais democráticos e financiamento à cultura de um modo mais amplo.
O foco do engajamento em relação a questão de linguagens específicas fica ainda mais claro quando pensamos que em raras vezes vemos o engajamento em relação a questões mais amplas, como modelos de gestão e financiamento e a questão da descentralização das verbas.
A única exceção talvez seja nos momentos das lutas por verbas e orçamento, porém, mesmo nessas situações, a disputa ocorre em termos de linguagens e não de lutar por um orçamento de modo geral. As militâncias das linguagens acabam se degladiando entre si ao invés de compreender que o ideal mesmo seria a mudança nos modelos de financiamento e a disputa por uma ampliação do orçamento como um todo.
Isso é bem curioso e perigoso.
Fica bem claro pra mim (e isso traz uma apontamento muito forte para minha pesquisa) de que as mudanças estruturais nos modelos de financiamento à cultura não ocorreram nos últimos anos não apenas pela falta de interesse do legislativo e do executivo mas também por falta de interesse real dos trabalhadores da cultura em alterar a logica do capital nas políticas públicas de cultura. Nesse caso, para essas pessoas, o importante é garantir a verba daquele edital "que eu sempre ganho", e não pensar que deveria ser mais importante pensar em mecanismos mais gerais que garantam uma distribuição das verbas mais democrática.
Esse interesse pelo engajamento de questões mais amplas acontece curiosamente na militância acadêmica. É bem comum as sessões de comunicação sobre financiamento terem bastante quorum.
Isso me lembra também de que outro indício que percebi na militância é que há pouco interesse em conhecer tecnicamente e profundamente a gestão pública de cultura de forma mais ampla. Poucos militantes da cultura se preocupam em entender profundamente o funcionamento do Sistema Nacional de Cultura por exemplo. Entretanto é bem comum ouvir destas mesmas pessoas críticas a ele que não procedem. (eu mesma tenho muitas críticas ao SNC, mas são bem diferentes das críticas que tenho escutado por ai).
Já pensei inclusive em fazer um teste para analisar isso.
Quando eu proponho um curso para ensinar a escrever projetos culturais, ou para uma lei de incentivo ou edital específico , lota. As inscrições acabam em poucos dias. Se eu oferecer um curso sobre modelos de gestão pública da cultura, focando no aprofundamento no SNC e PNC aposto que vai aparecer meia dúzia de pessoas. Já tentei oferecer esse tipo de curso em espaços e sempre escutava "esse tipo de curso não tem procura".
Ao fazer uma análise técnica sobre o desmonte, o que realmente está pegando de forma mais geral é questão da mudança de lógica no sistema de financiamento. Estamos voltando aos tempos do modelo puramente neoliberal. O modelo de balcão está vindo com tanta força que está tomando conta inclusive dos editais.
Isso se deve não apenas pelos governos neoliberais que estão ai, mas também pelo não fortalecimento na tentativa de mudanças do modelo de financiamento ao longo desses anos...
Lembro quando fizemos os encontros para falar da Procultura ano passado. Era muito dificil mobilizar interessados. A maioria das pessoas da cultura não tinham a mínima ideia do que se tratava e o quanto o Procultura era importante para a alteração estrutural na lógica do financiamento. Porém em alguns desses encontros algumas pessoas, com longa trajetória na militância, apareciam para revindicar pontos no projeto de lei da Procultura que deveria estabelecer beneficios à linguagens. Lembro inclusive de algumas reuniões em que deu até briga por isso.
Esse é um tema denso porém super necessário de se discutir e pensar. Não adianta tentar construir uma base de militância da cultura enquanto tem gente no meio defendendo um edital de fomento X ou a seleção de projetos por conta de sua "excelência artística". Por isso inclusive que a unidade no movimento da cultura é praticamente impossível.
Até quando a militância da cultura vai se enganar com esses discursos falsos de luta que na verdade demonstram um engajamento de caráter burguês pela manutenção de privilégios e vai encarar o macro e a mudança de lógica no financiamento visando a democracia na distribuição de verbas?