Na
gestão da Ministra Ana de Hollanda, mas principalmente na gestão atual com Marta Suplicy, o Ministério passou a assumir
no conceito de cultura, sua vocação de indústria criativa. A partir do ano de
2013 projetos de moda passaram a ser aprovados pela CNIC. Em seu discurso de
posse, Marta Suplicy demonstrou aparentemente apoiar a visão ampliada de
cultura transversal e diversa das gestões anteriores, porém sua primeira ação
concreta no Ministério mostrou exatamente o contrário. Marta neste mesmo
discurso de posse relatou como prioridade de sua gestão a aprovação do
Vale-cultura.[1]
“Peço à câmara o mesmo empenho para a aprovação do Vale-cultura que acredito
fará uma revolução na vida do povo brasileiro, assim como incentivará a
produção cultural.” (SUPLICY, 2012)[2]
A ferramenta reverte
verbas do Fundo Nacional de Cultura e verbas utilizadas por meio da isenção
fiscal de 1% do valor devido ao imposto de renda de empresas públicas ou
privadas. Essas empresas ao deduzir 1% do valor devido no imposto, repassam a
verba a seus funcionários em vales de 50 reais/pessoa/mês, por meio de cartões
magnéticos. Esta verba mensal é destinada à compra de produtos culturais em
estabelecimentos credenciados pelo Ministério. Ainda que a medida inicialmente
se mostre democratizante, achamos pertinente salientar o viés mercantilista e
exclusivista da ação, que se contrapõe ao conceito ampliado de cultura proposto
pelas gestões anteriores do Ministério (Gil e Juca) que buscavam entre outras ações
democratizar o acesso à cultura.
O ponto chave de nossa crítica nesta reflexão é que o uso do Vale-cultura será exclusivo dos funcionários de grandes empresas que utilizarem a ferramenta através da isenção fiscal e sejam optantes pelo lucro real. Isto é, apenas uma pequena parte da população trabalhadora poderá utilizar o benefício.
O ponto chave de nossa crítica nesta reflexão é que o uso do Vale-cultura será exclusivo dos funcionários de grandes empresas que utilizarem a ferramenta através da isenção fiscal e sejam optantes pelo lucro real. Isto é, apenas uma pequena parte da população trabalhadora poderá utilizar o benefício.
De acordo com a pesquisadora Karina Poli (2013) numa avaliação feita no ano de 2011 apenas 2% das empresas brasileiras utilizavam os mecanismos da lei federal
de cultura. Entre esses 2% observados na pesquisa de Poli, estão em maior
volume as grandes empresas estatais brasileiras, empresas de telefonia e
grandes conglomerados do setor financeiro e construção civil. Ao contrário do
que argumenta a Ministra, acreditamos que o uso do Vale-cultura, em lei
sancionada pela Presidente Dilma em dezembro de 2012 e regulamentada para uso
em agosto de 2013, deverá restringir o acesso aos produtos culturais apenas
para uma pequena parte da população, os funcionários destas grandes empresas.
Outro
ponto relevante a nossa observação é perceber que a verba do FNC destinada para
esta ferramenta do Vale-cultura se torna parte da mesma porcentagem de 4% de
isenção fiscal da Lei Rouanet para projetos de mecenato. Se por um lado os projetos culturais
patrocinados via mecenato recebem influência direta em sua produção pelos
preceitos do mercado, e não merecem nosso apoio, como ferramenta liberal e retrógrada em termos de políticas culturais, por outro o Vale-cultura, a nova "vedete" desta gestão no ministério, restringe ainda mais o acesso,
permitindo que apenas os funcionários destas mesmas empresas recebam o
benefício. O conceito de cultura através desta ação institucional do
Vale-cultura estaria mais uma vez limitando o acesso à cultura ao proporcionar
o acesso exclusivo à trabalhadores formais de grandes empresas, isto é, uma minoria. Não estão
contemplados no Vale-cultura, funcionários de empresas optantes pelo lucro
presumido, isto é empresas de médio e pequeno porte, muito menos trabalhadores
informais, desempregados e estudantes. Outro ponto crítico é a legitimação da
produção cultural enquanto produtos de consumo comercial. O viés mercantilista
da ação busca a legitimação por meio da filosofia das indústrias criativas como
uma possibilidade de geração de renda para pequenos produtores culturais.
Utilizando uma reflexão que fizemos neste blog em novembro de 2013 completamos o pensamento com 2 outros pontos pertinentes em nossa crítica...
2. A verba que viabilizará o Vale Cultura é a mesma verba que poderia incentivar projetos culturais por outras ferramentas ligadas ao PRONAC e aos programas de cultura, como editais, ou por exemplo o ótimo programa Cultura Viva, mais conhecidos por um de seus braços, os Pontos de Cultura. O vale cultura toma o lugar de Projetos culturais que poderiam ser gratuitos, oferecendo acesso a qualquer interessado... Estes projetos que poderiam ter incentivo direto do governo via FNC, ou mesmo por meio do mecenato via Rouanet. Porém através do Vale Cultura esses darão lugar a uma ferramenta de endomarketing das empresas.
3. O uso do vale cultura tem sido defendido por alguns alegando que esta pode ser uma ferramenta que incentive a produção e a geração de empregos no meio cultural no âmbito da economia criativa. Porém me parece que na prática não é bem assim... que esta ferramenta apenas beneficiará a produção no nível das indústrias culturais para aqueles produtores que já conseguiram se estabelecer em suas áreas artísticas. Sabemos que os maiores problemas nas práticas culturais no Brasil são: a) A formação de público para artistas independentes. Só quem não conhece o mercado cultural poderia apostar que o benefício do Vale será usado em produções independentes. Sabemos que mais uma vez grandes produções e grandes artistas serão os grandes beneficiados. b) Projetos artísticos independentes raramente conseguem sair do papel. Isto é, apenas grandes artístas e grandes projetos continuarão sendo desenvolvidos.
Esta breve análise nos permite aferir que a ferramenta visa apenas fomentar a indústria cultural e não incentivar a arte e a cultura de forma democrática, ao privilegiar seu uso apenas por aqueles que já detém o poder econômico. A ferramenta pode e deve ser repensada com alteração em diversos pontos conforme salientamos na reflexão acima. Porém mesmo com alterações, como por exemplo a ampliação de acesso á dedução fiscais por todos os tipos de empresas, ela continuará fomentando em primeiro lugar as indústria culturais, e não a economia criativa de base (leia-se produtores pequenos / independentes) pois o grande público brasileiro sempre será motivado a consumir produtos culturais gerados e divulgados pela grande mídia e produzidos pelas grandes corporações de arte.
Utilizando uma reflexão que fizemos neste blog em novembro de 2013 completamos o pensamento com 2 outros pontos pertinentes em nossa crítica...
2. A verba que viabilizará o Vale Cultura é a mesma verba que poderia incentivar projetos culturais por outras ferramentas ligadas ao PRONAC e aos programas de cultura, como editais, ou por exemplo o ótimo programa Cultura Viva, mais conhecidos por um de seus braços, os Pontos de Cultura. O vale cultura toma o lugar de Projetos culturais que poderiam ser gratuitos, oferecendo acesso a qualquer interessado... Estes projetos que poderiam ter incentivo direto do governo via FNC, ou mesmo por meio do mecenato via Rouanet. Porém através do Vale Cultura esses darão lugar a uma ferramenta de endomarketing das empresas.
3. O uso do vale cultura tem sido defendido por alguns alegando que esta pode ser uma ferramenta que incentive a produção e a geração de empregos no meio cultural no âmbito da economia criativa. Porém me parece que na prática não é bem assim... que esta ferramenta apenas beneficiará a produção no nível das indústrias culturais para aqueles produtores que já conseguiram se estabelecer em suas áreas artísticas. Sabemos que os maiores problemas nas práticas culturais no Brasil são: a) A formação de público para artistas independentes. Só quem não conhece o mercado cultural poderia apostar que o benefício do Vale será usado em produções independentes. Sabemos que mais uma vez grandes produções e grandes artistas serão os grandes beneficiados. b) Projetos artísticos independentes raramente conseguem sair do papel. Isto é, apenas grandes artístas e grandes projetos continuarão sendo desenvolvidos.
Esta breve análise nos permite aferir que a ferramenta visa apenas fomentar a indústria cultural e não incentivar a arte e a cultura de forma democrática, ao privilegiar seu uso apenas por aqueles que já detém o poder econômico. A ferramenta pode e deve ser repensada com alteração em diversos pontos conforme salientamos na reflexão acima. Porém mesmo com alterações, como por exemplo a ampliação de acesso á dedução fiscais por todos os tipos de empresas, ela continuará fomentando em primeiro lugar as indústria culturais, e não a economia criativa de base (leia-se produtores pequenos / independentes) pois o grande público brasileiro sempre será motivado a consumir produtos culturais gerados e divulgados pela grande mídia e produzidos pelas grandes corporações de arte.
Sobre isso ver também nossa reflexão anterior:
http://culturapraquemquer.blogspot.com.br/2013/11/vale-cultura-pra-quem.html
[1] Sobre o Vale-cultura.
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/valecultura >
acesso em 18/10/2013.
[2] Discurso de posse da
Ministra Marta Suplicy. Disponível em: < http://www2.cultura.gov.br/site/2012/09/13/discurso-de-posse-da-ministra-da-cultura-marta-suplicy/ >
acesso em 26 de setembro de 2013.