quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Tá errado, Marta. Muito errado...

Já tinha achado bem estranho quando resolveram no começo do ano admitir que moda poderia entrar como uma das "artes" apoiadas pela Rouanet. Sabia que daria errado, mesmo porque moda é parte essencial da indústria cultural e foge totalmente ao conceito de cultura do atual Plano Nacional de Cultura. 
Quando a Marta defende o novo edital da Copa com seus espetáculos Fan Fest e os Flash Mob, dizendo que são formas importantes de cultura, ela esquece que a cultura brasileira real, a que vem sido feita com muita dificuldade por artistas e produtores, tem cada vez mais perdido espaço no uso das verbas de leis de incentivo para desenvolvimento de ações realmente sustentáveis. Se nas gestões de Gil e Juca buscou-se ampliar a diversidade cultural, nessa gestão essa diversidade está sendo ampliada pro lado errado, pro lado da indústria cultural, promovendo ações de cultura "fakes" hollywoodianas e tratando cultura como mercadoria. Não, eu não acho que apenas a cultura popular deve ser apoiada por essas leis, mas apoiar desfile de estilista já é demais...
Tá na hora dos produtores culturais se mobilizarem e botarem a boca no trombone. Tá na hora da CNIC impor seu poder, antes que o MINC vire festa de madame...

Leiam a matéria:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/08/1329824-ministra-libera-lei-rouanet-para-desfile-de-roupas-na-franca.shtml


E um texto publicado hoje por Marta Suplicy no site do MINC e na Folha de SP que parece querer justificar este caso e o edital MINC Copa publicado na semana passada. 

http://www.cultura.gov.br/artigos/-/asset_publisher/WDHIazzLKg57/content/o-soft-power-da-copa/10883?redirect=http%3A%2F%2Fwww.cultura.gov.br%2Fartigos%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_WDHIazzLKg57%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-1%26p_p_col_count%3D1


Aproveitando o caso polêmico #moda #cultura #marta #paris é importante a todos saberem de algumas coisas antes de falarem besteira por ai: 
- A Lei Rouanet é um mecanismo de incentivo fiscal que permite a todos os brasileiros inscreverem projetos culturais para patrocínio via mecenato ou uso do FNC. - Isto é, TODOS podem usar, desde a Claudia Leite até você. 
- No caso do mecenato este patrocínio é escolhido por uma empresa pública ou privada, mas a verba em boa parte dos casos é pública.
- Os projetos podem ser aprovados em 2 artigos da lei Rouanet: se for pelo artigo 18 o patrocinador terá 100% de isenção fiscal e se for pelo artigo 26 a isenção é de 34% a 64%. (nos resta saber em qual artigo esse projeto de moda será aprovado, se for pelo 18 o caso será ainda mais grave)
- Desde o início deste ano projetos de moda passaram a ser aceitos como projetos culturais. A medida polêmica foi criada pela Marta.
- Existe um decreto desde abril de 2006 (criado por causa daquele escândalo do Cirque du Soleil) que obriga todos os projetos culturais inscritos na lei Rouanet de apresentarem uma contrapartida social para serem aprovados. (qual seria a contrapartida social de um desfile fechado de alta moda?????)
- Uma nova lei de incentivo á cultura, a PROCULTURA, está desde 2010 em fase de aprovação. O atual relator da lei, um deputado do PT, recentemente disse que a lei precisa de apoio para poder ser aprovada. Esta nova lei foi retalhada pela influência de empresas em seu andamento e atualmente apresenta um texto bem parecido com a Rouanet. A classe cultural parece ignorar o fato.
- De acordo com uma pesquisa feita pelo MINC em 2010, apenas 24% dos projetos aprovados na Lei Rouanet conseguem patrocínio. Apenas 3% dos proponentes detém esses patrocínios.
- Em SP temos mecanismos de leis de incentivo de mecenato em âmbito estadual e municipal. No Estado temos o Proac ICMS que em todos os casos dá 100% de isenção de ICMS num abatimento proporcional de 3% para menos. E no municipal temos a Lei Mendonça que utiliza a isenção fiscal via ISS e IPTU. É a lei de incentivo mais antiga do país em vigência (1990) e é um mecanismo ainda mais burocrático do que as demais leis.

A classe cultural desde sempre mostrou-se bem divida em relação ao uso mecenato. Muitos apoiam e muitos criticam. Os grandes problemas: a isenção fiscal de 100%, sendo 100% de verba pública usada por empresas. e a falta de critérios para projetos de cunho comercial. O ideal seria uma partilha disso. O sistema está viciado no mecenato com 100%. Apenas uma medida de impacto poderia salvar as políticas culturais no Brasil. Não sei se é possível, mas talvez a solução seria um decreto via Senado que obrigue a todas as leis de incentivo fiscal via mecenato no país apresentarem no máximo 50% de isenção fiscal para empresas patrocinadoras. Desta maneira o mercado de patrocínios teria que se readaptar e as leis já existentes também. Essa verba "boa" que entraria das empresas poderia viabilizar a criação de fundos para projetos de ações culturais sustentáveis em regiões isoladas do país ou editais para artistas independente ou iniciantes. Isso é um sonho bem utópico, pois sabemos que as empresas que mais usam o mecenato são as estatais (leia-se Petrobrás, BNDES etc) mas seria uma mudança considerável. Outro ponto essencial para nossa mobilização é exigir o reforço das contrapartidas sociais nos projetos, como fator não apenas de aprovação, mas de aprovação de prestação de contas.
E outro ponto que sempre vou bater, pois dialoga com minha pesquisa de mestrado: É urgente que se desburocratize o uso desses mecanismos!
Se é uma lei de incentivo que se diz democrática ela deve ser para o uso de todos!! Que os órgãos de cultura criem formulários de inscrições de projetos tanto para a mecenato quanto para editais, mais simples, mais acessíveis, mais fáceis de ler e de escrever. Enquanto a esfera das políticas culturais for uma esfera apenas para uso dos letrados e dos capazes, o uso das leis de incentivo à cultura nunca será de fato democrático.

Essa reflexão continua... Gostaria de saber a opinião de todos, inclusive de quem não é do setor, sobre os pontos relatados.



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